RELATO DE UMA JORNALISTA E TELESPECTADORA.
Digamos que a pauta seja a grande polêmica: “Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?”.
Detalhe: Um dos patrocinadores da emissora para a qual você trabalha, tem uma grande exportadora de ovos, vem sofrendo pressão de ambientalistas que denunciam as crueldades praticadas por eles, contra as galinhas.
Querendo ou não, a equipe de reportagem e edição, recebeu uma mensagem velada de que terá que induzir a população a crer que o ovo nasceu primeiro.
A fantástica reportagem começa com uma manchete, narrada pelo apresentador do telejornal:
“- Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha? Pesquisadores da Universidade de São Paulo têm fortes indícios de que possa ter sido o ovo.”
Inicia-se a reportagem, mostra uma família feliz e bonita sentada no sofá:
“Maria do Carmo da Silva, 35 anos, conseguiu montar seu próprio negócio, seguindo a teoria de que o ovo nasceu primeiro. Quando ficou desempregada, comprou seu primeiro ovo e o revendeu para sustentar a família. Hoje já emprega 10 funcionários.”
Agora, existe a necessidade de mostrar que a reportagem é imparcial e que ouviu os dois lados. Então, a próxima imagem será de um homem de aparência grotesca e arrogante, atrás de uma mesa de escritório:
“Já Astrogildo Bernardes, presidente da Associação da Galinha Veio Primeiro, acredita que o ovo jamais poderia ter existido sem a presença da galinha:”
Astrogildo: “- É uma ingenuidade acreditar que o ovo veio primeiro, nenhum ovo nasce do nada. A galinha estava lá, antes de tudo e de todos”.
Apesar de Astrogildo ter falado por mais de duas horas, a edição só selecionou alguns segundos, justamente, seus argumentos mais fracos.
Nesse momento, a reportagem usará seu melhor recurso: a opinião popular. Transeuntes serão entrevistados.
Vanessa Ferreira, estudante: “Sim, com certeza, foi o ovo.”
Joaquim das Neves, assistente administrativo: “O que a galinha era antes de virar uma galinha? Só pode ter sido um ovo. Não dá pra negar”.
E pra finalizar, voltamos com a imagem de nossa primeira entrevistada, Maria do Carmo, com a narração do repórter:
“A polêmica é antiga, as opiniões estão divididas, mas para Maria do Carmo, o ovo não só nasceu primeiro, como trouxe renda e felicidade para ela e seus filhos”.
Close na Maria do Carmo: “O ovo, que nasceu primeiro, mudou minha vida. E espero que ele mude a vida de outras famílias também”.
Congela num sorriso carismático de Maria do Carmo. Fim da reportagem.
Mas calma, não acaba aí.
imprescindível que a próxima notícia seja: “Uma quadrilha de galinhas foi presa no sul do Paraná, portando drogas, armas e documentos falsos”.
E, se possível, o apresentador do telejornal ainda fará uma chamada: “Veja, nessa sexta, no Blábláblá Repórter, os benefícios da proteína do ovo na alimentação do brasileiro. E como ele tem ajudado crianças de comunidades carentes a vencer a desnutrição”.
Esse formato vale para qualquer tema, em qualquer emissora. Preste atenção da próxima vez.
Meu nome não é Luciana
Há 5 anos